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Um velho...

Às três da tarde, o velho decaído. O anjo. Cansado de bancos e contas, descansava no banco da praça.
Andara à toa, por aí, perdido entre jovens de todas as cores, entre carros metálicos e azedos, entre nuvens ofuscadas de sol. Andara pálido, urgente, seguindo as filas reservadas para ele, mastigando com seu passo de manso as calçadas agudas, os múltiplos sinais de trânsito. Seus velhos rivais.
Mas agora, com as pernas finalmente imóveis, pensava no banho fresco, na novelinha das oito, no sofá de pano cru, na insônia que viria logo, tão logo caísse a noite.

A rua rugia ao longe, o sol enfraquecia amolecido. O velho, delicado, encostou-se devagar no encosto do banco, fechou os olhos e suspirou de cansado prazer. Cumprira as tarefas todas, o filho ficaria feliz... trabalhava tanto, o pobre. Em breve levantaria dali, pegaria o ônibus, compraria um moreno pãozinho para o lanche, tomaria seu café em paz. Em breve tomaria coragem, era só um minutinho de nada.

Em breve, o velho ressonava alto, cumprindo seu tímido triunfo. E logo logo o feroz ruído do rush encobria sua soneca, perdida no farfalhar da cidade que se recolhia.

Só lá pelas nove é que o guarda apareceu, convocado por um casal que costumava namorar naquele justo banco.

- O velho não quer acordar, moço. Parece que... sei não...

Mas o velho não havia morrido.
Estava só descansando.

E pelo sorriso no rosto, sonhava era com outros carnavais.

Comentários

Anônimo disse…
Rebecca, gostei muito da estória contada sôbre o velhinho no seu BLOG.

O fato é que senti uma sensibilidade à flor da pele ao retratar o cotidiano daquele velhinho já cansado pelas lides da vida. Pena que não esteja aqui com o que foi dito do velhinho cansado pelo dever cumprido ao final da tarde no lusco-fusco da cidade que tenta adormecer ao longo de um dia tão cansativo (e quem dorme é ele), para poder dizer cada frase, cada mensagem nas entrelinhas da pequena estória e poder salientar com mais segurança o que foi escrito pela nóvel escritora belo-horizontina.
 
Que bela imagem foi traçada por você. Que sensibilidade mostrada na pequena estória de um cidadão comum que carrega nos ombros o peso da idade. Uma estória de dever cumprido, de satisfação em andar pela cidade ao longo do dia. Tudo muito bonito e sobretudo poético em um linguajar fácil de entender e de comunicar-se tão bem com as letras.
 
As letras saltam aos nosso olhos com firmeza, convicção e sobretudo beleza através de uma estória tão comum em nossas cidades grandes (metropoles). O velhinho estava cansado e tentou descansar em um banco de praça (tão comum em nossas cidades). Dever cumprido, satisfação plena e sonhos realizados.
 
Sinto-me como aquele velhinho ao entardecer de uma vida vendo os sonhos realizados de uma futura escritora (que já vislumbrava-se ao longo da infância e adolescência), no começo ou no recomeçar de uma vida cheia de esperança e sobretudo de Garra ao encarar as multidões de uma cidade grande e VENCER. Parabéns. Um grande abraço do seu pai e muito SUCESSO na carreira que pretendes abraçar.
 
Deus a guarde e a proteja muito e abênçõe ricamente são votos meus e da Verônica.

Aluízio
Anônimo disse…
nossa rebs.
que lindo!

sou preguiçosa pra escrever e pra ler.
por pouco não passava batido...
eu ia perder!

beijocas e desejo fotinahs e corzinhas pro novo blog!

lu
Anônimo disse…
PERFEITO!!!...Tem tudo que se espera de uma crônica: que faça um instantâneo do cotidiano de forma sublime.Você é retada Rebecca. Beijos da Clau.

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