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Mostrando postagens de maio, 2007

Outra Sonata de Outono...

Ela era uma mulher estranha. Apareceu no meu consultório há quase três anos. Nunca mais voltou, mas contou-me sua história terrível. Pediu-me conselhos. Eu me lembro de ter falado alguma coisa, sem muita convicção ou interesse. Na época, estava envolvida com outros problemas e, de alguma maneira, eu sabia que ela não voltaria mais. E rapidamente me esqueci dela. No entanto, nos últimos meses, sua presença oblíqua e altiva tem me entulhado a memória de fantasmas. Aos poucos, fui me lembrando de cada detalhe da sua longa história, que me foi parecendo, dia após dia, cada vez mais real e remota. Como se viesse, maldita e cansada, do interior abrupto e cristalino de múltiplos espelhos. Como se fosse ela mesma uma sentença. Ou um enigma. Começou assim: ela odiava a filha. Desde o nascimento, ela a odiou. De acordo com ela, cada espasmo de vida daquela minúscula criaturinha era preenchido e alimentado por um ódio calmo e delicado, mas poderoso, que a tornava, se não mais feia, cada vez mais

Meu nome é legião...

Meu Prezado Amigo, Escrevo-lhe esperando que você me avalie tão severamente quanto o faria se não me conhecesse tão intimamente. Procuro-o menos como amigo e mais como o profissional que é, médico e pesquisador respeitado, conhecido em sua comunidade e fora dela como um dos altos nomes da psiquiatria. Pensei em mandar um e-mail, mas tive medo de que as informações ali colocadas se extraviassem ou caíssem em mãos inescrupulosas (já me avisaram que e-mail´s são como cartas abertas vagando por universos confusos e perigosos, sujeitas a assaltantes, saqueadores e curiosos de toda ordem). Enfim, como as informações que se seguem são confidenciais e bastante perturbadoras, imaginei que o melhor mensageiro seria de fato o Correio Nacional, com sua variante registrada. Sei que a preocupação é um tanto quanto paranóica, admito, mas a minha posição e fama assim o exigem. O fato em si é simples, mas terrível. Não o comuniquei antes porque não vi logo o perigo. No início, senti-me apenas perturbad

Todos os meses

Todos os meses ela vem. Uma vez por mês. Ela vem para pagar o aluguel dela. Todo dia 07, dia 08, ela aparece. E eu fico esperando. Todos os meses. Fico esperando ela entrar pela porta, ágil, mas delicada. Ela entra. Entre um velho de barba rala e calça de moleton e uma senhora maquiada de rosa e vestida de preto. Entre a turma de adolescentes do interior e a velha de bigodes. Entre um ou outro cliente, ela aparece. Um lampejo bonito no meio dessa baderna que é a minha imobiliária. Quer dizer, minha não, que eu não sou o dono. Minha é modo de dizer. Mas às vezes ela vem em horários mais vazios, e posso olhá-la mais demoradamente. Não faço atendimento no balcão, fico só na contabilidade. Mas a imobiliária é toda aberta, ela toda é atravessada pelo grande balcão de atendimento, as mesas dos funcionários ficam atrás desse balcão, como se fosse atrás de um biombo, só que mais baixo. Então, da minha mesa, posso olhar quando ela entra e quando sai. Quando está triste, quando está entediada, q