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Mostrando postagens de julho, 2008

Bruffles e Preocuda

Bruffles era asmático. Preocuda era sintomática. Bruffles gostava de catacreses. Preocuda, de paranomásias. Bruffles torcia pra muitos times. Preocuda não torcia pra time algum. Bruffles gostava de sombra e cevada. Preocuda era da pá virada. Bruffles era neurótico. Preocuda era poliédrica. Bruffles gostava de verborragias. Preocuda, de anestesias. Bruffles torcia pro mundo mudar. Preocuda rezava pro mundo acabar. Bruffles gostava de sistemas e de anacoretas. Preocuda gostava de espasmódicas mutretas. Bruffles era um vegetariano convicto. Preocuda preferia a carne tenra dos delitos. Bruffles gostava de meditar sobre os problemas do universo. Preocuda não se importava com nada que não fosse o próprio sexo. Bruffles era carinhoso, gentil, quase um menino. Preocuda era frívola, aérea, estertorante. Bruffles e Preocuda se conheceram, se gostaram, e começaram, pasmem, a namorar. E mesmo que essa história não seja nada original, foi no embalo dessas diferenças que ela aconteceu, adoçada e ete

Curtinha...

Logo que tirou os pontos, Adélia pensou: "agora, minha vida vai começar!" Mas não foi bem isso que aconteceu. ........................... Três meses após a morte da esposa, Adolfo sentiu que já estava perdoado. E partiu pra próxima. ........................... Adolfo mostrou ser muito bom de cama. E Adélia chegou a pensar se não era o caso de fazer outra plástica. ........................... No dia do casamento, Adélia era um só sorriso - de êxtase. Mas Adolfo só pensava nas cicatrizes.

Você

Entre uma coisa e outra. Você. Entre a escova de dentes e a cama. Entre o sorriso meio forçado e o momento de desespero. Entre a notícia na internet e o e-mail esperado. Entre o susto e o grito. No meio da rua. Entre os lençóis. No lento desdobrar das minhas pernas. No gole de água à noite. No sono em vôo. No suspiro. No tédio. No gozo solitário. Na fuga. Entre o segredo e a confissão. Você. Entre um almoço e outro. E na hora longa do jantar. Entre meias de seda e de algodão. Nas dobras do meu pijama. Em cada uma das minhas camisas. Nos tecidos suaves e duros. Na pele que vai ficando cansada. Nos meus olhos. Nos meus trejeitos de corpo e voz e gestos. Na sala escura do cinema. Em cada um dos meus trinta e quase cinco anos. Entre as pessoas que se foram e as que virão. Entre sua boca e a minha. Você. Entre uma delícia e outra. Nossa fome. Entre seus olhos e os meus. Um lapso. Entre rios e mares e tempestades. Somente você. Entre uma coisa e outra. Sua presença. Fortíssima, indócil, inde

Teoria do Encontro I

O encontro é um desassossego. Inevitável. Na confusão de olhares e gestos - um sempre escapa. Ilimitado. O encontro é desavisado e inóspito. Inatingível. Entre duas coisas, uma ponte se faz em desmedida e risco. E rapidamente some. Abrupta e leve como uma concha, como um grito, como um pássaro em queda. Entre dois corpos, Eros desenha e destina desatinos. Nem sempre é fácil, nem sempre é fluido. Mas é sempre impressionante. Cuspe, suor, esperma, mijo, medo, nada. Músculos. O encontro é de fazer sentido. Mas não faz. O encontro é de fazer navios. Às vezes cria desertos. Às vezes funde alegrias. O encontro é no íntimo dentro, mas só acontece quando o fora se abre, inesperado. Como uma boca aberta. Tudo isso pode trazer o encontro. Uma dúvida que você nunca teve. Um espelho que de repente se move. Um carro que se afasta. Uma turbulência. Um elogio. Um golpe. Tudo isso pode trazer o encontro. Consigo mesmo. E com o outro. Com o outro de mim. Com o outro do outro. Com o outro do Nós. O out

A vida secreta dos motores

Ilustra de Steve Scott Juvenal nunca tivera certeza se sua vida não valia nada, ou se valia pelo menos um pouco. Ele não tinha amigos, nem mulher, nem filho, mas tinha um emprego que lhe ocupava metade do tempo, e um boteco na esquina de casa que ocupava a outra metade. Juvenal montava motores o dia todo. Esse era o seu trabalho. Não valia muito no mundo dos homens, mas valia bastante na vida de Juvenal. Ele sabia que seus motores iam um dia impulsionar máquinas alheias, metódicas, melódicas, esotéricas, cujo exaustivo trabalho poderia tornar mais leve a vida de alguém, a vida das nuvens, a vida do mundo. Juvenal imaginava liquidificadores que voavam para dentro, misturando sentimentos variados e fazendo a angústia ficar toda menor. Juvenal criava máquinas de lavar idéias, quando elas ficavam muito sujas e incômodas de tanto se repetir. Juvenal produzia cortadores de legumes mágicos, que multiplicavam no lugar de dividir. Juvenal inventava torradeiras cósmicas, que diziam quando

Outro rio no meio

Menina, querida, aprenda, nada há que possa ser feito agora. O amor se foi, eu sei, mas isso é coisa dele mesmo - moço arredio. O futuro se foi, eu sei, mas isso é próprio dos fantasmas de sempre. A saudade foi embora, não volta, outras coisas farão mais sentido agora. O corpo está partido, é claro; mas não se preocupe, as ataduras estão firmes por enquanto. Menina, criança, ouça-me, as portas são mais bonitas abertas. A fuga é oblíqua e é pronta, mas não é um erro, é uma ponte que sobe. Meu modo de ser no escuro é como o seu, não pode ter nomes, nem paciências. Se estiver cansado, escapa liso como as lâminas da correnteza, funde-se no mundo, explode urgente em tremedeiras. Tudo o que sei é o que eu te conto, o que te ensino, os lábios trêmulos de ardores antigos: sei que nossa pele está seca, porque é inverno agora e o frio se expande. Se o tempo do gesto por perfeito, em breve estaremos em casa, adoçadas pelo mesmo amor errante que ora se despede espantado. É frio, eu sei, e temos fo