Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2009

Imóveis em luto

Então me lembro das senhoras mortas do meu andar. Duas, pra ser mais exata. Duas mulheres que nunca conheci, a não ser de vista. Encontros no elevador e no hall do prédio. Diálogos interrompidos pela chegada ao andar certo. Seu caminhar arrastado, denunciando outros tempos. Outras histórias. Interrompidas ou terminadas? Apenas histórias. Meu andar agora está quase vazio. Dois apartamentos estão decerto tristes, ou pelo menos saudosos de suas donas, esvaziados de um cuidado e de uma doçura que os plangia e afinava. Agora, devem estar quase tão mortos quanto elas. Duros e graves. Saciados de uma rotina material e física que sua fixidez reforma continuamente. Todos os dias. Espaços solidamente antiquados, cuja altivez é menos incansável do que ridícula. Imagino-os vencidos, observando o tempo que passa. Acompanhando o degradar inóspito das paredes escuras. O cheiro sufocado dos objetos que não têm mais serventia. Eles se desenham no meu espírito, continuadamente. Quando chego em casa.

Física

Se uma gota de água desce lentamente uma superfície vertical, perdendo, no caminho, boa parte de sua matéria, velocidade e força de queda, fica, por isso mesmo, intangivelmente sutil e cada vez mais rarefeita, a menos que uma outra gota a ela se mescle, assim permitindo que ambas percorram uma distância um pouco maior.

Coragem grande...

Para Elisa É poder achar brilhando nas coisas o que nelas é secreta vertigem. Tão secreta que às vezes rudemente se mostra. Escancarada e quase triste. Como várias vezes a verdade. É andar com os olhos um pouco além dos espelhos, para além de classe ou muro, para o lado expulso da cena. Ou da festa. É pulsar à beira das coisas, no avesso coreográfico de cada dia, buscando o inalcançável sim. E o resistente não. É dizer sim ao não e não ao sim. Se necessário for. É recusar o projeto coletivo de manter os olhos fechados. E abri-los. E abri-los de novo. Os olhos. E ainda mais. E ficar boquiaberto, porque, afinal... O mundo estava lá o tempo todo. Inapelavelmente bonito . E vivo.