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Mostrando postagens de 2011

Em verdade vos digo...

... that willing suspension of disbelief for the moment, which constitutes poetic faith" S. T. Coleridge Pra escrever, dizem, é preciso verdade. Parece simples, mas não é não. A verdade nem sempre está nas coisas, ou na vida, ou no que sentimos e queremos. Ela muitas vezes não está. Eu ando por esse mundo aí, como muitos outros, falando de tantas coisas, fingindo que me importo, tentando encontrar uma saída, ou quem sabe uma entrada, mas as coisas escorrem rápidas, e o mundo é grande demais. A verdade, tadinha, volta e meia ela volta, insistindo em dizer coisas que não queremos ouvir. Quem quer? Quem quer ouvir da morte, da fome, do caos? Que quer ouvir o presente, esse tempo insatisfatório e descontínuo, onde nos perdemos, sempre no meio, em vias de, em travessia? No entanto, entre um presente e outro, passamos. A verdade, seja ela qual for, é o de menos. Se Deus existe ou não, se viveremos muito ou não, se há empregos para todos ou não, quem se importa? Eu não me importo. As ver

Cordéis avulsos

Vida e literatura são piedosamente imprecisas. O vazio razoável. Necessário. Para o salto. Nunca absoluto. Mas evidente. A literatura encena o que a vida exige. Às vezes fome. Às vezes, consistência. Tudo é sobreposição. Avesso. Incontinência. O rosto exacerbado. Nem grandiloquente nem suntuoso. Apenas colocado. Visto para ser revisitado. Do argumento da sede: a redundância é sempre bem vinda. A forma em seu tempo. Talvez formalize uma fértil ampliação de fronteiras. Talvez.

Um dia desses...

Um dia desses eu conto. O que vem acontecendo. O que anda pegando. Como ando e persisto e calo e me mudo. Como mudo. Como emudeço. Como permaneço ou persigo o que não mereço. Conto como me faço e como me esqueço. Um dia desses eu conto. Como reconheço. Conto também como é grande a fome. E grande o tropeço. Conto se vivi, se sofri, se entrei de férias, se perdi a conta. Se a dividi ou deixei pra lá. Conto e desconto as dívidas. As falências. Conto como me multiplico. Como sangro. Como divago. Conto como venho falindo, falhando, encantando. Conto como venho perseguindo o que nem sei o tamanho. Conto logo logo. Logo me abro. Logo me afogo. Um dia desses. Quem sabe. Conto talvez o milagre. Mas por enquanto. Sei lá. Vou contando a passagem.

Pra sempre...

Não lembro bem quando te vi a primeira vez, nem a segunda, mas um dia devo ter te visto de verdade, porque, na minha memória, é como se você sempre estivesse estado lá. No fundo da sala, com os colegas mais barulhentos, pertencendo a uma turma que eu gostaria que fosse minha, mas não era. Eu ficava na frente da sala, colada nos professores, e tinha por turma outras colegas, menos indóceis que você, um pouco mais responsáveis. Mas nem de longe tão lindas. Você tinha lindos olhos escuros, redondos, e uma pele muito branca, toda pintadinha de micro sardas clarinhas, quase da cor da pele mesmo. Ainda tem. Seu nariz era engraçado (ainda é), e eu me lembro que ele me conquistou. Ele ficava ainda mais engraçado quando você ria, e eu me peguei me esforçando muito pra ver você rir. Eu faço isso até hoje, e sei muito bem porque. De algum modo que não me lembro como foi, começamos a participar de um coral, e por causa dele fiquei mais próxima de você. Por causa desse coral, cantamos juntas, andam

Passagem das horas...

Então, esse dia, vulgar e já falecido, que provavelmente desaparecerá no mugir inconstante dos outros todos, a menos que, deus-me-livre, seja o último, ou o anterior a algo imenso ou terrível que sempre pode acontecer amanhã, a menos que, portanto, seja o crepúsculo de uma era, ou o arauto dos novos tempos, esse dia, opaco e tímido, nunca terá existido, nunca terá feito diferença, nunca terá salvado o mundo ou nascido para brilhar. Esse dia, como nós mesmos todos, um dia, nada mais terá sido. Além dele próprio. Por isso, o deixo aqui. De castigo. Cumprindo pena de semi-eternidade.

Falando nisso...

O que eu tenho a dizer é da máxima importância. Mas não sei como dizer, ou como começar. Só tenho uma dúvida, entre muitas, e ela me diz o seguinte: por que, entre tantas vidas ritmadas, minha voz se quer fazer ouvir? Por que só eu, entre outros tantos que dizem e falam, se acha no direito de se fazer mais audível, ou mais temível, ou mesmo mais relevante? O que eu tenho a dizer não tem nenhuma importância. Na verdade, é a importância mesma que se cala quando alguém diz o que é dizível, e o que não é. A importância, com sua gravidade encorpada e luminosa, é atulhada de coisas sem nenhuma ferocidade, sem nenhuma espécie de inutilidade, sem qualquer traço de tímida volúpia. Por isso mesmo se esquiva de importar, e só aos tolos importa, só aos parvos assusta, só aos cegos se impõe. Eu ali vou incluída, evidentemente. Porque sou tola, parva e cega. E só outros que também assim são com isso não concordariam. Sim, o que tenho a dizer não é importante. Mas nesse mesmo instante existe. E por s