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Mostrando postagens de julho, 2007

Sem máculas

Depois dos dias vencidos, a longa maratona de erros, calou-se, só e atenta, diante das grandes conquistas. Se havia sido difícil, nunca soube, sempre preocupada com a conduta alheia, com a correção dos gestos, com a manutenção das fórmulas. A máquina funcionando. Azeitada, constante, ferrenha. Os cabelos negros aprumados, a saia ajustada e sem vincos, o rosto impassível, o olhar austero. As longas mãos, no colo profundo, pousadas como águias em repouso, depois do ataque urgente. Prestes a. A vasta família, impecável. Os filhos todos prontos e sábios. As filhas todas casadas, com homens de bem e saudáveis, mantenedores úteis e ferozes, mas não muito inteligentes. Graças a Deus. A maioria dos netos ainda na delicadeza da infância, alguns já sendo apresentados às mordaças da espécie e alguns poucos já domesticados e circunspectos, esperando a boa hora do vôo em direção ao altar ou ao mercado, como bem conviesse. A vasta família, impecável. Os olhos ávidos por dinheiro e espaço. Por uma po

Vagamente pessoal

Trago em mim, insone e emocionada, uma criança esquiva. Ela averigua meus cantos flácidos, torna habitáveis meus temores profusos. Ela tece em mim suas noites aflitas, faz de mim sua morada de medos. Eu, muito em mim, às vezes a rejeito em ódios e gritos. E nesse mesmo momento a acolho. Deixo-a fazer de mim o que quer e sempre consegue. Eu a persigo em vísceras, em espasmos, em cólicas. Ela foge do meu carinho mais ginecológico, mais primal. Ela me assusta, me infla, me geme. Ela é minha língua que se move em erros. É meu passado que se move em língua, é minha matéria que se move em vícios, meus vícios que se movem em páginas. Desordenadas páginas de pano e vidro. Ela é a soma de minhas partes e cada parte de minhas incompletudes. Ela abotoa minha roupa pra meu eu maior sair. Ela geme quando não quer ir e impede-me de falar. Ela amedronta e ameaça. Absurda, me comove e plange. Ela em mim entra e sai quando bem quer. Ela é que me existe, me exibe, me idolatra. Me contamina. Às vezes que

Então...

Então, porque você me encantava: eu afinava as cordas do meu mundo incerto, aprumava planos, para desmontá-los logo. Febril, em atividade de amor, me descobri no então-agora do tempo. Detalhei-me em suaves destinos, ouvi sons impensáveis. Você era minha fome e meu anelo com a nova terra que então se formava. Então, porque você me encantava, tomei o espaço nas mãos em brasa, e o tornei em pétala, em pluma, em página.