... that willing suspension of disbelief for the moment, which constitutes poetic faith"
S. T. Coleridge
Pra escrever, dizem, é preciso verdade. Parece simples, mas não é não. A verdade nem sempre está nas coisas, ou na vida, ou no que sentimos e queremos. Ela muitas vezes não está. Eu ando por esse mundo aí, como muitos outros, falando de tantas coisas, fingindo que me importo, tentando encontrar uma saída, ou quem sabe uma entrada, mas as coisas escorrem rápidas, e o mundo é grande demais.
A verdade, tadinha, volta e meia ela volta, insistindo em dizer coisas que não queremos ouvir. Quem quer? Quem quer ouvir da morte, da fome, do caos? Que quer ouvir o presente, esse tempo insatisfatório e descontínuo, onde nos perdemos, sempre no meio, em vias de, em travessia?
No entanto, entre um presente e outro, passamos. A verdade, seja ela qual for, é o de menos. Se Deus existe ou não, se viveremos muito ou não, se há empregos para todos ou não, quem se importa? Eu não me importo. As verdades parecem ser muitas, vêm e vão. Não me dizem nada. Não me dizem respeito. Ou dizem muito pouco. Às vezes, me tomam por um tempo, me convencem, me acalmam me sufocam. Mas depois passam, como tudo passa, e deixam, se não um travo amargo na boca, pelo menos um traço de desamparo, de desassossego, de melancolia.
Esses temperos, ao longo do tempo, servem para encher o mundo de falidas controvérsias - sobre tudo e sobre nada. Falsas polêmicas, desatinos. Muito melhor seria, sejamos francos, não haver verdade alguma, não sofrer delas, não buscá-las, não exigi-las, não brigar por elas, não morrer, não ganir, não fugir. Muito melhor seria, sejamos ainda mais francos, ou quem sabe verdadeiros, viver de mentiras, de meias verdades, de suposições, de falácias.
Viver no que não pode ser, no que nunca será, no que se move sempre, e para sempre – não é bonito? Viver do inexplicável e com ele. Sobre ele erguer labirintos e pontes, missivas ao absurdo. A tudo que se perde e se agita, comovido, entre um sabor e uma folha, entre um delírio e uma girafa.
Escrever, talvez, e só talvez, é um convite ao que não pode ser verdade, mas não deixa de não sê-lo. Inventar, talvez, é dizer o que nunca precisou ter existido para se fazer misterioso, profundo afago onde nos derretemos, ansiosos de histórias, poemas, imagens flutuantes.
Pra escrever, dizem, é preciso verdade. Não acho não. Talvez o que se precise fazer é pedir, com muito jeitinho, pela sua (pelo menos efêmera) suspensão.
Comentários
Mas a verdade até quando abraça a fome,as lágrimas,tem uma cor de esperança.
Um abraço.
MSRL
MSRL, também acredito que mudar é "preciso"...