
Adoro coisas lindas. Adoro tanto que vivo cercada de.
De coisas lindas. De objetos, às vezes. De pessoas. De livros delicados. E músicas de arrepiar. E filmes doídos de morrer. Pedaços de paisagem que eu guardo coleciono monto, fazendo um novo país. Rabiscos também como poesia. Versos cheio de paixão toda prosa. Um céu de outono. Uma prece. Um violão tocando Vinícius ou Ataulfo. Cartola. Um trocado que vira um café. Um beijo, um sorriso, um princípio de festa. Amigos. Vivo cercada de.
E como eles são lindos, os meus amigos. Pele, vozes, bocas, roupas, olhos, permanências. Gente fazendo brisa fresca, fazendo evoluções na beira do mar. Gente fazendo do meu mundo um campo infestado de maravilhas.
E de coisas lindas.
Ah! Como as coisas lindas nos salvam da selvageria do mundo!
Não pra sempre, mas às vezes. Na sua brevidade esvoaçante e pueril. Tal qual as borboletas. Coisa mais linda não há.
Gosto de objetos inúteis. De objetos antigos. De formas ovais e opulentas. De fios dobrados. De cones. Gosto de pedaços de madeira pintados. Gosto de cartões publicitários coloridos. Gosto de roupas coloridas. E antigas. Gosto de brechós e de topa-tudos. Gosto de lojas de quinquilharias variadas, cheias de brilhos multiformes e objetos desengonçados de feios. Tão feios que são lindos.
Gosto de suspiros pequeninos, feitos de saudade e fuga. Gosto de pastéis de maçã. Gosto de biscoitos com leite. E de queijos de todos os amarelos e brancos. E até verdes. Gosto de goiabada com eles. Seu vermelho perigoso e urgente.
Gosto de azulejos brilhantes. Gosto de metais ferrosos. De açúcar e sal em montinhos infinitamente brancos. De mergulhar as mãos no cantante polvilho. De ficar apertando a pretura macia do pó de café, e depois sacudir tudo de novo.
Gosto de embalagens bonitas, cuidadosamente desenhadas para a sedução do outro. Comprar é o de menos. Bom mesmo é olhar e querer. Gosto de vidros. Todos os tipos de vidros. Gosto da sua trasparência, cor, cheiro. E dos seus formatos serpenteantemente aguçados. Ou oblongos.
Gosto de olhos que brilham, de rosto lavado, de rugas. Gosto de mulheres grisalhas, de café com creme, de pêssego em calda... e de quase tudo que tem aquele tipo de amarelo, inclusive roupas.
Amo coletes, calças risca de giz, listras de todos os tipos. E suspensórios. Tenho volúpias secretas quando vejo alguém de xadrez. Ou com galochas de chuva. E homens de bengala.
Sou obcecada por ilustrações e adoro quadrinhos. Adoro o humor refinado e sapeca de alguns amigos. E a tristeza polida de outros. Adoro a forma como cada um deles me chama, como cada um deles me comove e suspende.
Adoro brincar de fechar os olhos e viajar por países de seda, onde cada um escolhe a cor que tem e as opções não são apenas três, mas trezentas vezes três mil. Homens violeta e mulheres cor de chumbo e ouro andam em ruas de vidro, atravessadas por plantas selvagens de todos os sabores e vertigens.
Adoro brincar de lembrar que, quando eu tinha 1 ano, e nem sabia falar direito, eu pedia do berço que meu pai trouxesse pra mim coisas lindas e brilhantes - repetidas vezes.
Adoro brincar de pintar lugares com outros matizes e de cobrir paredes com materiais diversos e imaginários. Como botões de roupa, palitos de fósforo, caixinhas de tic tac, pedras tumulares, escopos de tília e papiros de Tlön e Ukbar. Adoro descobrir desenhos em rachaduras de parede e na poeira sólida dos granitos, dos mármores, dos muros de arrimo. Adoro nuvens.
Definitivamente, adoro nuvens!
Adoro parar no meio do livro da página do verso da cena do filme de tão bonito que está aquilo tudo e ficar brincando de fingir que ainda não vi ou li ou ouvi ou entendi a frase o verso o texto o sorriso o susto e poder ver e ler e ouvir de novo como se fosse a primeira vez tudo aquilo e tendo o quase mesmo espantoso espasmo de beleza e desobrigado prazer que logo ainda agora senti enquanto lia ouvia assistia olhava no meio da rua do cinema do trânsito do passo aquela cena palavra idéia forma. Adoro textos sem pontuação que desencanam de serem sérios e viram brincadeira de criança.
Crianças são a beleza em forma de assombro. Quase tudo nelas é bonito.
Minha vontade recolhida é ter um sofá listrado e uma varanda com muitas redes, uma para cada tipo de preguiça.
E de silêncio.
Mas não tenho vergonha de fazer barulho, porque os barulhos também são bonitos e dizem muito de alguém que tem medo, como eu. Como muitos de nós.
Tudo o que é bonito eu sei que o é só pra mim, ou principalmente pra mim, e eu nem ligo se ninguém acha bonito o que pra mim é pura beleza... porque achar algo bonito é uma forma de contato entre nós e a coisa-objeto-pessoa-cidade, não é da conta de ninguém.
Beleza é algo que se dedica, que se entrega, que se desdobra. Beleza é desdobramento de amor, de fé, de silêncio.
Beleza é da ordem do presente. Alguns entendem isso.
Achar bonito é um modo de amar. E de fazer viver.
Comentários
Clau
Ah, como eu gosto disso, Rebs!
Beijo de quem gosta muito das sutilezas todas.
Amiguinho André, caixas de lápis de cor são algo assim incomunicável de tão bonito... perca os pudores e viva a orgia!!! Depois vc me dá de presente o resultado.
E Paulo, como vc adivinhou que esse é o poema do drummond que eu mais gosto??? "Nada pode o olvido..." AMO!
Simples assim.
XX.
Obrigada pelo carinho!
Beijo!
tem tanta coisa que nao é bela nesse mundo, infelizmente. mas tudo o que vc falou é bonito, porque é simples.