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De sede, vento e vestígios...

Tento acordar, tento acordar. O sono não me deixa dormir. Tento acordar, tento acordar. O sono não me deixa dormir. A abóbada é imensa, azeda, esplêndida. Tento acordar. O sol queima depressa. Os dedos, os pés, a nuca. O céu é uma esfera perfeita e indecifrável. Eu me acovardo todos os dias.
Tento acordar, mas não consigo, os olhos cheios de areia. O peito cheio de vespas. Os olhos da minha amada estão cansados, os meus estão abertos. O sono não me deixa dormir. O calor é insuportável. A janela é toda de vidro e a cidade, atrás dela, parece uma cena de filme. Venta muito, o peito opresso, o trabalho por fazer, o amor por amar. Nada pára, nada se movimenta, tudo espera meu gesto aniquilado.
Vou saltar, vou saltar, vou saltar. O sono não me deixa dormir. As palavras não servem mais. Venta muito e meu coração está seco. As vespas se foram, não há mais nada agora. Eu me acovardo todos os dias. Debaixo da pele, a faca de joão. Atravessando. Eu impura, feita de fezes e abismos. E água.
As palavras não dizem nada, o coração está com sono. Tudo é muito agora. E muito mais tarde. Nunca fui tão breve, nem tão sedenta. O vento invade tudo. As janelas estão fechadas. O céu é de cobre amarelo, verde, violáceo, escuro. O vento empurra meu peito. Empurra, empurra, ferve, fecha, expande, desordena. Desabriga.
Tento acordar, mas não consigo. Vou saltar: o prédio é alto? Ainda não arrumei a cama. Meu deus, meu deus, o tempo passa. Preciso salvar o mundo.
É agora, é agora, olhe! As unhas estão crescendo. O cabelo embranqueceu, o rosto murchou, os olhos cederam, não são mais inocentes. Quero acordar e não posso. No espelho, tenho dois anos. E um coração cheio de vespas.
Venta forte e escuro. As lâminas estão afiadas. Abrem meu peito, tiram as vespas. Pra quê, pra quê? Eu gostava tanto delas.
Agora, o silêncio. Não venta mais. As mães foram embora. O peito vazio, vazio. Tento acordar. O sono não me deixa dormir. Estou de pé, no escuro, no meio imenso do corredor.
- Pai, quero água!
Mas ele não vem. Ele não vem mais.

Comentários

Janine Avelar disse…
Rebs,
tô com inveja da Cris...
Pq meu blog nao está aí?
Saudades linda!
Andrea Drewanz disse…
Acho que já estive no seu blog antes. Não sei direito.
Bonito o que escreveu...
Foi sonho ou pesadelo?
bjs
tainah disse…
"o sono não me deixa dormir"




aaah! muito bom!

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