Pular para o conteúdo principal

No primeiro dia do ano...

Foto de Ana Elisa
; no primeiro dia do ano,
aquela senhora obesa olhou para a sua janela; para a sua mesma e nem tão velha grade e pro seu mesmo pedaço de céu, de sol e de tronco de coqueiro (ou seria palmeira?); e pensou de novo na morte; e em como não era tão ruim assim não poder se mover; e em um filme do woody allen que tinha assistido há muito tempo;
o moço convalescente sentiu-se mais forte e resolveu cortar o cabelo assim que o comércio voltasse a funcionar (ou seriam os pulmões?);
o cara da transportadora suspirou de novo, quando lembrou do dia seguinte (ou da vida seguinte?) e de tudo o que havia deixado por fazer; depois lembrou que suspirar era coisa de veado e resolveu tomar mais uma cerveja;
a dona do salão decidiu não parar de fumar e não parar de ficar até tarde vendo merda na televisão, como todas as amigas pediam; afinal, que importava a saúde dos seus brônquios ou das suas retinas tão fatigadas? Para a puta que pariu com tudo isso... porque cigarro e tv são formas bastante civilizadas de matar o tempo (e o tesão reprimido), e é melhor fazer isso do que encontrar jesus ou comer criancinhas, como fazem esses padres por aí, ora bolas;
a estudante de farmácia passou o dia vomitando e jurando que nunca mais misturava pinga com conhaque, embora soubesse que iria fazer justamente isso, dentro de umas 6 ou 7 horas (ou quinze), mas não dentro de 6 ou 7 anos (ou quinze);
a máquina de xerox estalou no escuro e pifou de vez (ou quase);
um dos pombos aqui da minha rua foi atropelado (mas não morreu, ficou agonizando no cruzamento até uma formiguinha ter pena dele e matá-lo com a sua pá);
o homem do tempo esqueceu a frigideira elétrica ligada, mas ela tinha um dispositivo de segurança e nada aconteceu; depois ele ficou pensando se era melhor se algo tivesse de fato acontecido (ou explodido);
a cantora japonesa comeu uma pizza de margherita, e decidiu mudar a sala de lugar, pra ver se alguma coisa mudava (ou começava);
outros cantaram e falaram das férias (entre amigos) e mataram baratas e comeram sushi e criaram o céu e outras terras, o vento e as águas paradas, as tardes de quinta e as manhãs de segunda (e as madrugadas de sábado);
e então sorriram, vendo que tudo isso era bom,
porque o primeiro dia do ano... é um dia no meio do tempo;
e tudo continua aos pedaços; como sempre;
de passagem;

Comentários

Aviva disse…
Rebequildes,
O primeiro dia do ano é, acima de tudo, reflexivo, não?
Ai, ai...
Ninguém escapa!
Anônimo disse…
suspiro é mesmo coisa de veado!
então, um grande suspiro pra 2008!
Anônimo disse…
Rebequinha, menina, que honra! Não é que abro seu blog pra dar uma espiada e taí mais uma foto? Legal demais...
Esse texto está lindo, sensível, fragmentos muito bacanas. Fique a vontade para postar minhas fotos, querida, quando quiser. Beijocas, Ana.

Postagens mais visitadas deste blog

É isso aí...

O amor é feito de quedas e sustos, de espanto e de silêncios, de trajetórias estranhas e fomes diversas. O amor é feito de cobre. Dura muito, mas muda de cor com o tempo. O amor é feito de pedras aladas, de tristezas ocultas, de sílabas desconexas. O amor é feito de escolhas. Mas algumas dessas escolhas são fatais. Ou fatídicas. O amor às vezes não existe. É feito rio correndo: tem suavidade e orgulho, mas carrega areia e dejetos. O amor também é feito de vento e de geografias. De lutas e reentrâncias. O amor é feito de sede. E de febres.

Como fazer seu amor amar você em 12 lições...

Foto de MicroAbi 1: Roube umas estrelas pra ele. Amores amam estrelas. 2: Quando for entregar as estrelas, não se esqueça de embrulhá-las em papel de seda azul. O dourado delas vai ficar todo encantado. 3: Quando for suspirar, prenda a respiração por 7 segundos exatos. E envie durante esses 7 segundos 7 trilhões de saudades para o coração delicado do seu amor. 4: Quando acordar, feche os olhos do sonho com um beijo de boa noite. Sempre funciona. 5: Ande de olhos fechados pelo território do segredo. Se você não resistir e abri-los, finja que não é com você. 6: Quando for dormir, cumprimente seus sonhos entusiasticamente. Afinal, são eles os responsáveis pela movimentação inteira da terra em torno do seu amor. 7: Leve sempre pão e vinho para seu amor. Não o deixe perecer por falta de alento. Nem por falta de alegrias. 8: Toque seu amor com dedos de orvalho e de tempestade. A luminescência convém com a paixão. 9: Ao olhar para ele, cubra-o de calafrios. A pele é sempre nova para suavidad...

Da educação

Quando encontramos uma pessoal “mal educada” por aí, normalmente pensamos na falta de educação familiar (também conhecida popularmente como “pai e mãe”). Também é comum, quando conhecemos a família da pessoa em questão (e reconhecemos que a falta não vem dali), que pensemos na educação escolar propriamente dita, e nas possíveis lacunas que essa (má) educação possa ter infligido ao indivíduo mal educado em questão. Às vezes pensamos nas duas coisas, mas raramente pensamos em um “terceiro” fator, que é, do tripé educacional, o mais complexo: o fator cultural. Todos nós conhecemos, afinal, pessoas muito (ou bastante) letradas, educadas em escolas reconhecidas, ou de referência, com famílias também educadas e pais igualmente bem “formados”, que são, sabe lá Deus por que, verdadeiros colossos de ignorância, falta de sensibilidade para com o próximo e civilidade tacanha, se não inexistente. Também não é difícil encontrar o contrário, pessoas que, mesmo sem ter recebido da es...