Ela era uma mulher estranha. Apareceu no meu consultório há quase três anos. Nunca mais voltou, mas contou-me sua história terrível. Pediu-me conselhos. Eu me lembro de ter falado alguma coisa, sem muita convicção ou interesse. Na época, estava envolvida com outros problemas e, de alguma maneira, eu sabia que ela não voltaria mais. E rapidamente me esqueci dela. No entanto, nos últimos meses, sua presença oblíqua e altiva tem me entulhado a memória de fantasmas. Aos poucos, fui me lembrando de cada detalhe da sua longa história, que me foi parecendo, dia após dia, cada vez mais real e remota. Como se viesse, maldita e cansada, do interior abrupto e cristalino de múltiplos espelhos. Como se fosse ela mesma uma sentença. Ou um enigma. Começou assim: ela odiava a filha. Desde o nascimento, ela a odiou. De acordo com ela, cada espasmo de vida daquela minúscula criaturinha era preenchido e alimentado por um ódio calmo e delicado, mas poderoso, que a tornava, se não mais feia, cada vez mais ...