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Não verás país nenhum

Ando por esses dias como há muito tempo não andava. Estou “inquieta, áspera e desesperançada”, como dizia Clarice. “Embora amor dentro de mim eu tenha”. Choro pelos cantos, tento ler coisas leves, mas a noite vem, como um dia veio, e parece que não consegue sair. Choro por um país, por coisas que ainda não aconteceram, mas certamente acontecerão. Choro por sombras bizarras que se instalaram nos espaços de poder e de lá só sairão se as pessoas acordarem. Mas ninguém parece disposto a isso. Todos dormem, embalados por delírios tragicômicos de personagens que, horror nosso, são infelizmente reais. Reais demais. O mundo está real demais. Ou, pelo menos, real demais pra mim. A carga é a mesma de sempre, eu sei: sobra estupidez, ignorância e violência. Só que agora tudo isso não vem embalado na velha roupagem de sempre, de falsa tolerância, mentiras suportáveis e uma certa hipocrisia. Não há mais máscaras, não há mais camadas vagamente civilizadas de retórica ou de auto-controle.
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Da educação

Quando encontramos uma pessoal “mal educada” por aí, normalmente pensamos na falta de educação familiar (também conhecida popularmente como “pai e mãe”). Também é comum, quando conhecemos a família da pessoa em questão (e reconhecemos que a falta não vem dali), que pensemos na educação escolar propriamente dita, e nas possíveis lacunas que essa (má) educação possa ter infligido ao indivíduo mal educado em questão. Às vezes pensamos nas duas coisas, mas raramente pensamos em um “terceiro” fator, que é, do tripé educacional, o mais complexo: o fator cultural. Todos nós conhecemos, afinal, pessoas muito (ou bastante) letradas, educadas em escolas reconhecidas, ou de referência, com famílias também educadas e pais igualmente bem “formados”, que são, sabe lá Deus por que, verdadeiros colossos de ignorância, falta de sensibilidade para com o próximo e civilidade tacanha, se não inexistente. Também não é difícil encontrar o contrário, pessoas que, mesmo sem ter recebido da es

Dos sustos.

Foto de Mauro Pinto Querendo escrever. Quando a vida fica muito grande. Ou muito pequena. Precisando escrever. Mas as palavras não saem. Simplesmente engasgam. Tudo é por um fio. De faca ou de norte. Querendo viver. Quando a escrita fica muito ácida. Ou muito estreita. Precisando viver. Mas o fôlego falta. Ou jorra. Tudo é por um rito. De passagem ou de sorte. Querendo sofrer. Quando tudo fica muito distante. Ou muito próximo. Precisando sofrer. Mas a vida sobra e luta. Engasga, vibra, escreve. Tudo é por um caminho. De alegria ou de suporte. Querendo entender. Quando tudo o mais é rarefeito e breve. Quando tudo para. Sem deixar de continuar. Tudo é mesmo por um rio. De saudade ou de morte. Para Bruce Amaro

Uma vez...

Ilustração: Anna Cunha Uma vez, sonhei: uma bicicleta feita de acasos, de terra, de pedaços de coisas, de sinopses. O sonho era cheio de vertigens, de bicicletas, evidentemente, de modos de colher água da chuva, de fazer as pessoas voarem, de cobrir a terra de um modo abrupto, de coisas assim esquisitas e impronunciáveis. Quando acordei, anotei tudo num papel. Depois o perdi. Hoje achei o papel, e não entendi nada. Na lembrança, uma vaga ideia. Uma concreta palavra: bicicletas. Só lembro, de forma absurda e profunda, que havia bicicletas. Aliás, sonho muito com elas. É a única coisa, afinal, que sei dirigir. Mas sonho com carros também. E não sei dirigir carros. Essa coisa do interior e do exterior. Uma bagunça. Alguns objetos podem ser sujeitos. Isso se sabe. Objetujeitos. Algo assim. Mas, no meio da ideia, algo surge, se fragmenta, se isola. Como numa experiência científica ou amorosa. Como num convite pra tomar um chá, ou participar de uma festa. Algo se nu

Respondo sempre igual...

É difícil dizer como começam as coisas que nunca começaram, que sempre estiveram lá. Ou aqui, por exemplo. Como aquele modo seu de dizer que gosta de mim, como as roupas secando no varal, como os lugares de cada coisa nas estantes, nas gavetas, nos armários. Há coisas que parecem tão eternas no fim de uma noite de verão quanto um lapso entre um espanto e outro, entre um grito e um plano de viagem. No verão, tudo parece mais estático, até eu mesma, que prossigo entre os cômodos me fingindo de suave, de esplêndida, cantando baixinho ou repetindo que estou viva. Apesar do calor, e das ondas de tédio e asfalto que vêm de fora, estou viva, por enquanto. É difícil dizer como começou isso, ficar viva. Sentir-se dentro e fora das coisas. Sentir-se apenas. Como as colheres no escorredor, como as paredes que escurecem aos poucos, como os livros cruamente organizados e sólidos. É difícil dizer do tempo em um dia tão quente e áspero. É difícil porque sufoca sem sofrimento. É como esperar, apena

Ethyl horoskop

Os nascidos no signo da CERVEJA são divertidos, alegres e leves, amigos pra todas as horas. São mais afáveis no verão, quando se espalham por todos os lugares, e podem ser vistos na companhia de toda a gente: ricos, pobres, remediados, caretas, alternativos, masculinos, femininos ou mesclados. Os do signo da cerveja se dão bem com todos, e a todos acompanham com delícia, a noite e o dia todo, se preciso for. A princípio podem parecer amargos, mas só quando não se os conhece bem. Logo se mostram em toda a sua espumante euforia. Adoram samba e futebol, e brilham em copas do mundo, carnavais, e outras festas tais... Em resumo, são muito festeiros, mas há quem diga que são superficiais e sem compromisso. Brigam muito com os do signo do uísque e do vinho, mas se dão muito bem com os do signo da aguardente. Sua cor é o dourado, e seu dia da semana é sexta-feira. Os nascidos no signo do COQUETEL são multifacetados, descolados e mega articulados. Combinam-se de forma inusitada e viv