O negócio é o seguinte: talvez a escrita nem comece. Estou em casa. Ou mesmo na rua. A casa é o intervalo para a rua. A casa é o começo da conversa.
Daqui, ouço gritos. Moro no centro. O centro da cidade é um estampido. Rumores de todos os tipos. Sonoros, roucos, mudos. Viscosos. Gritos. O tempo todo. É como uma espécie de fábrica. De mugidos e cisternas. De gargalhadas. É como uma espécie de mercado. De fim de sexta-feira. Assovios, apitos, estalos, arranhões. Todo mundo.
Algo vibra o tempo todo. Não faço idéia do quê. Bom, está chovendo. Mas não é o barulho da chuva. É atrás da chuva. É atrás do som. Algo que não se escuta nunca. Só agora. Depois do silêncio dos tacos. Antes do elevador.
A casa é engraçada. Toda em portas. Um corredor. Algo que se estica. Uma varanda. Portas encardidas. Pedaços de fios. Conexões. Rios antenados espumando ligando controlando. Confirmando. Somos todos muito sozinhos.
O lugar do telefone é importante. O espaço da tv. O espaço da fome. Eu não tenho sala de jantar. Nem sala de justiça. Eu não gosto de tv. Só de cinema. Mas gosto de novela. A coisa mais triste do mundo é programa de auditório. E auditoria de sistemas.
A coisa mais triste do mundo é achar algo triste. Se é assim, é porque se está triste. Porque tudo não é muito triste não. Tudo é bem mais ou menos. Meio que não se sabe se é bom ou ruim, até saber. Tudo é assim feito uma estopa. Pode estar suja ou limpa. Mas na verdade está suja. Mas o sujo não é sujo quando é antigo, entende? Encardido não é sujo, é já marcado. Marcado por uma vida de entregas, entende? Como algo que já foi. Não é novo mais. Foi sempre.
Mas pode ser visto como. Como se fosse. Novo ou limpo. Mas as marcas estão lá. Uma coisa pode ser gasta e pobre. Mas não deixa de ser neutra. A luz bate, e pronto. A coisa acontece. Fica toda nítida. Exposta. Derepente coisa. Até bonita. Como a minha casa. Como eu.
É uma espécie de feira. De banalidades. De urgências. É quase como um grito solto no meio do ruído. Sempre alguém ouve. E nunca importa tanto.
A casa sou eu mesma. Quase nublada. Uma casa com muitas portas. Kafka de saias, coitada. Só pensa em amores e mulheres que já foram embora. Uma casa é feita de paredes. Todas elas. As casas são cozidas lentamente. No pano quente das esquinas. Toda casa é um suspense e um aviso. Toda casa é fácil de dizer. É só dizer. E só olhar. É só fotografar.
Olha. São 9 e quinze. Ninguém me ligou ou escreveu. Todos sabem que tenho que estudar. Mas não estudo, não consigo. Talvez seja tarde demais.
O que sei do literário, nunca soube. É puro teorema. Abstração dilatada. Esquecimento. O que sei, já foi dito. Mas posso dizer de novo. Isso posso. Quer saber? A escrita são muitas casas. Uma dentro da outra. Todas ao meio. A escrita é o ovo de Clarice. A casa de Duras. A minha casa. Uma casa de corredores e fios. Uma casa de janelas fechadas. Lembrem-se, eu moro no centro. A escrita é a casa do encontro. Não há encontro fora dela. Da escrita. Casa ou rua. Não importa. Toda casa é pública e notória. Nem todas as casas têm privada.
É muito triste não poder abrir as janelas. É triste não poder entrar em todas as casas. É triste ser triste, vou ser alegre de novo. Juro. O mar vem voltando pra mim. Eu, marítima, aguardo brisas novas. Elas vêm chegando. Eu sinto.
Me aguardem, vou ser muito alegre. Vou ser um canto generoso e bendito, invandindo espaços com a crueza da alegoria. Evolução, vão dizer... nota 10.
Olha, estava tudo escrito. Eu vou escrever tudo de novo. Umas mil vezes. O problema é que as pessoas não ouvem. Eu também não. Ninguém está aqui, mas alhures. É super fácil escrever teorias com sempre, nunca, todo mundo e ninguém.
Olha, está tudo em outra parte, sabe? Vou dormir agora. Peraí, vou estudar, lembrei. Tenho que escrever uma carta de amor antes, se não não consigo estudar.
Sempre foi assim. Cartas de amor. Cartas chilhenas. Cartas de amor. Cartas portuguesas. Cartas de amor. Cantigas de amigo. Cartas de amor. Torres de Babel.
Algo vibra o tempo todo. Serei eu mesma? Algo está sempre por acontecer. Isso dizia Clarice. Minha casa está toda assombrada por fantasmas. Não posso dormir, se Deus não vier.
Ele vem, é importante que venha... Isso eu sempre soube. Eu e Riobaldo. Eu e Diadorim. Eu e Clarice. Eu e todo mundo. Deus é neblina. Deus é mulher. Deus é a minha casa. Deus sou eu.
E eu. Meu deus. Eu só tenho um espelho para me encontrar.
Comentários
Um beijo com carinho,
Ah... a moradia humana, biológica, cheia de sentidos e órgãos. O concreto que nos atinge, o orgânico que destroça o frio e pálido concreto.... devagações de paredes, portas e aberturas... janelas? ou apenas artíficios de comunicação com o externo.
[...] papos para acontecerem com vinhos e boa música...
ouço apenas uma voz impostada. uma ópera? música sacra? não sei. ouço uma voz masculina desconstruída... pessoas do apartamento do lado saem do estado estático... estarão eles acionados???
meus dedos cansam, meu interior se remexe... muita ansiedade... solidão do teclado. signos de palavras...
rebecca, passe no nosso blog.
coloque sua impressão.
bjos estalantes.
http://estudio11.blogspot.com
vocês sentiram a tristeza que eu julgava ter conseguido esconder... engraçado isso...
Estúdio 11, eu tb sou arquiteta, e às vezes acho que escrevo como uma... como escrevem os arquitetos? é uma pergunta importante... beijos estalantes pra vc também!
Beijos da sua amiga maluca, rsrs...