De herança herdada, boca, olhos, pele, estatura, sou uma parte e um todo. Indecifrável. De herança transmitida, fala, olhar, tensão, postura, sou artesã rebelde e rouca, cada dia uma parte, cada dia um todo, cada dia um parto. Rasurável.
Herdei olhos claros, mas recuso sua tristeza, mãe. Sua melancolia. Herdei dedos longos, mas os meus procuram mais as carícias. Eu tenho fome, pai, por isso rejeito sua herança de ferro, de contenção, de controle. Herdei lábios finos, mas falo por eles como quem sofre, e pede, e recusa a morte, o tempo que acaba, a reserva. Tenho-os ávidos, loucos, irascíveis, intermináveis. Indivisos.
Sou pequenina de um modo estranho, porque me sinto breve sobre a terra interminável do tempo. Meu corpo se espalha, lúcido e livre, sobre tormentosas fronteiras. São histórias inacabáveis, que me alongam desde o nordeste, de onde vim, e me expandem em sulistas memórias - frio, deserto, tempestades. Nascimentos.
Herdei o mar e sua vastitude. Herdei a planície de araucárias. Mas desde sempre eu sou daqui. E de agora. De um agora mineiro que é sempre fundo e leve, que é mistério e destino. Gerais. E particulares obras.
Não herdei a parcimônia de minha mãe. Mas sua loucura. E sou generosa como meu pai. Mas mais arrogante. Herdei a alma medrosa, e o pensamento rápido. Dos dois. Mas passo os dias fugindo desse peso. E dessa velocidade.
Herdei sua fala, sua miséria, seu acalanto. Herdei seu medo da morte, sua violência, seu carisma. Herdei deles o que nem eles tinham, e o que nem estava inteiro. Herdei deles o que me espanta e comove. O que me redime. O que me estraçalha.
Herdei seu corpo e sua luminescência. Sua pele, seu sangue, seu sistema. Os livros, as músicas, os parentes. Alguns desejos, alguns critérios. Algumas sementes.
E um jeito, eu acho, meio enviesado, de olhar pra sempre.
Herdei olhos claros, mas recuso sua tristeza, mãe. Sua melancolia. Herdei dedos longos, mas os meus procuram mais as carícias. Eu tenho fome, pai, por isso rejeito sua herança de ferro, de contenção, de controle. Herdei lábios finos, mas falo por eles como quem sofre, e pede, e recusa a morte, o tempo que acaba, a reserva. Tenho-os ávidos, loucos, irascíveis, intermináveis. Indivisos.
Sou pequenina de um modo estranho, porque me sinto breve sobre a terra interminável do tempo. Meu corpo se espalha, lúcido e livre, sobre tormentosas fronteiras. São histórias inacabáveis, que me alongam desde o nordeste, de onde vim, e me expandem em sulistas memórias - frio, deserto, tempestades. Nascimentos.
Herdei o mar e sua vastitude. Herdei a planície de araucárias. Mas desde sempre eu sou daqui. E de agora. De um agora mineiro que é sempre fundo e leve, que é mistério e destino. Gerais. E particulares obras.
Não herdei a parcimônia de minha mãe. Mas sua loucura. E sou generosa como meu pai. Mas mais arrogante. Herdei a alma medrosa, e o pensamento rápido. Dos dois. Mas passo os dias fugindo desse peso. E dessa velocidade.
Herdei sua fala, sua miséria, seu acalanto. Herdei seu medo da morte, sua violência, seu carisma. Herdei deles o que nem eles tinham, e o que nem estava inteiro. Herdei deles o que me espanta e comove. O que me redime. O que me estraçalha.
Herdei seu corpo e sua luminescência. Sua pele, seu sangue, seu sistema. Os livros, as músicas, os parentes. Alguns desejos, alguns critérios. Algumas sementes.
E um jeito, eu acho, meio enviesado, de olhar pra sempre.
Comentários
a não ser a pressão alta, que herdei do meu pai.
Parabéns!
Beijo.
Kátia, obrigada... fico até sem graça com os elogios, mas gosto... rsrsrsrs!
E j., fico feliz de vc ter gostado... volte mais, viu?
mto legal a poética por aqui.