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Intervalo

Há um modo de ser da esperança que é quase um hiato, um espantado modo de olhar para o mundo, para o tempo, para o desejo. É um modo de ser enviesado, doloroso, quase ritual. É um modo de viver sem pensar no que está perdido, nem no que virá. É um modo de ser meio ao meio.
Há momentos de suspensão, e dúvida, em que tudo parece estar tomado de uma luz frouxa de banalidade. Há momentos de lento apodrecimento. Há momentos em que a pele fica mais leve, quase fluida, de tão insossa. Há momentos em que a história parece escoar por dutos rasos, sobrevoando sôfrega a superfície das coisas, esquecendo-se do endurecimento do tempo. Há momentos sem angústia, sem crise, de puro cansaço mórbido, amolecido, dormente. Há momentos em que a vida é lívida espera, quase doce de tão frívola.
Há momentos que são como feitos de ar: existem, mas não se pode vê-los, nem tocá-los, nem mesmo recuperar sua memória - vulgarmente pálida, nem trágica nem cômica. Há momentos em que as palavras são sonoras, mas não dizem nada. Apenas esperam.
Há momentos assim.
E outros mais vivos.

Comentários

Anônimo disse…
Olá...
Adorei o post.Bjs
Anônimo disse…
...e há quem saiba descrever estes momentos como ninguém...Bjim
Anônimo disse…
seus textos sempre me trazem várias lembranças, referências... que as vezes tem a ver com tudo, as vezes nao... hoje fiquei com essa:
"O silêncio não quer ser sozinho então ele fala. Quem escreve ouve porque cala. Quem escreve escava
O que o silêncio palavra."

Viviane Mosé

um beijo nos seus silêncios!
Unknown disse…
Que bom, Vanessa! Fico feliz.

E Lu mãe, que delícia vc por aqui! Saudades... obrigada pelo carinho!

Marina, adorei esse presente que vc me deu... esse pequeno poema diz muito, diz demais...

meu silêncio ficou todo encantado!
Luciana Gill disse…
Acho que estou em um intervalo... Intervalos têm hora para acabar?

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