Pular para o conteúdo principal

Outro rio no meio

Menina, querida, aprenda, nada há que possa ser feito agora. O amor se foi, eu sei, mas isso é coisa dele mesmo - moço arredio. O futuro se foi, eu sei, mas isso é próprio dos fantasmas de sempre. A saudade foi embora, não volta, outras coisas farão mais sentido agora. O corpo está partido, é claro; mas não se preocupe, as ataduras estão firmes por enquanto.

Menina, criança, ouça-me, as portas são mais bonitas abertas. A fuga é oblíqua e é pronta, mas não é um erro, é uma ponte que sobe.

Meu modo de ser no escuro é como o seu, não pode ter nomes, nem paciências. Se estiver cansado, escapa liso como as lâminas da correnteza, funde-se no mundo, explode urgente em tremedeiras.

Tudo o que sei é o que eu te conto, o que te ensino, os lábios trêmulos de ardores antigos: sei que nossa pele está seca, porque é inverno agora e o frio se expande. Se o tempo do gesto por perfeito, em breve estaremos em casa, adoçadas pelo mesmo amor errante que ora se despede espantado.

É frio, eu sei, e temos fome. Mas é preciso esperar o retorno dos ventos.

Grita, criança, grita. Sua prisão trará o sol de novo.

Comentários

Anônimo disse…
Rebecca, como vc escreve bem! Lindo texto. Beijos
Anônimo disse…
tão lindo, Rebeca, tão lindo...
escrevi hoje no blog da empresa que trabalho e me lembrei de voce!
beijos mils e bora chamar o Dani pruma cervinha!
Unknown disse…
Brigada, Nalu, Valéria!!!

Sua presença por aqui sempre me deixa feliz!

Bjo!
Anônimo disse…
Maravilhoso, Beckinha, ameeei! Bjos!
K disse…
Maravilhoso, Rebecca, como sempre.Amo, amo,seus textos .Sou amiga do Marcelo Nery e da Nalu, já te visitei outras vezes, mas é a primeira vez que deixo recado.
Gostaria de aproveitar pra te convidar para uma feira francesa que acontecerá no próximo sábado(19) na Savassi, na R.Pernambuco, entre Claudio Manoel e Santa Rita Durão.Vou adorar te conhecer pessoalmente!
Unknown disse…
Obrigada, Denise! Beijos!!! E a "paixão"... está gostando?

K. (como o do "Castelo"?!...), obrigada pelo convite, vou falar com o Marcelo pra gente ir e se encontrar. Vai ser ótimo. Que horas vai ser? Chama a Nalu também. Eu acho que não a conheço...

Postagens mais visitadas deste blog

Da educação

Quando encontramos uma pessoal “mal educada” por aí, normalmente pensamos na falta de educação familiar (também conhecida popularmente como “pai e mãe”). Também é comum, quando conhecemos a família da pessoa em questão (e reconhecemos que a falta não vem dali), que pensemos na educação escolar propriamente dita, e nas possíveis lacunas que essa (má) educação possa ter infligido ao indivíduo mal educado em questão. Às vezes pensamos nas duas coisas, mas raramente pensamos em um “terceiro” fator, que é, do tripé educacional, o mais complexo: o fator cultural. Todos nós conhecemos, afinal, pessoas muito (ou bastante) letradas, educadas em escolas reconhecidas, ou de referência, com famílias também educadas e pais igualmente bem “formados”, que são, sabe lá Deus por que, verdadeiros colossos de ignorância, falta de sensibilidade para com o próximo e civilidade tacanha, se não inexistente. Também não é difícil encontrar o contrário, pessoas que, mesmo sem ter recebido da es...

É isso aí...

O amor é feito de quedas e sustos, de espanto e de silêncios, de trajetórias estranhas e fomes diversas. O amor é feito de cobre. Dura muito, mas muda de cor com o tempo. O amor é feito de pedras aladas, de tristezas ocultas, de sílabas desconexas. O amor é feito de escolhas. Mas algumas dessas escolhas são fatais. Ou fatídicas. O amor às vezes não existe. É feito rio correndo: tem suavidade e orgulho, mas carrega areia e dejetos. O amor também é feito de vento e de geografias. De lutas e reentrâncias. O amor é feito de sede. E de febres.

Não verás país nenhum

Ando por esses dias como há muito tempo não andava. Estou “inquieta, áspera e desesperançada”, como dizia Clarice. “Embora amor dentro de mim eu tenha”. Choro pelos cantos, tento ler coisas leves, mas a noite vem, como um dia veio, e parece que não consegue sair. Choro por um país, por coisas que ainda não aconteceram, mas certamente acontecerão. Choro por sombras bizarras que se instalaram nos espaços de poder e de lá só sairão se as pessoas acordarem. Mas ninguém parece disposto a isso. Todos dormem, embalados por delírios tragicômicos de personagens que, horror nosso, são infelizmente reais. Reais demais. O mundo está real demais. Ou, pelo menos, real demais pra mim. A carga é a mesma de sempre, eu sei: sobra estupidez, ignorância e violência. Só que agora tudo isso não vem embalado na velha roupagem de sempre, de falsa tolerância, mentiras suportáveis e uma certa hipocrisia. Não há mais máscaras, não há mais camadas vagamente civilizadas de retórica ou de auto-controle. ...