Bruffles era asmático. Preocuda era sintomática. Bruffles gostava de catacreses. Preocuda, de paranomásias. Bruffles torcia pra muitos times. Preocuda não torcia pra time algum. Bruffles gostava de sombra e cevada. Preocuda era da pá virada.
Bruffles era neurótico. Preocuda era poliédrica. Bruffles gostava de verborragias. Preocuda, de anestesias. Bruffles torcia pro mundo mudar. Preocuda rezava pro mundo acabar. Bruffles gostava de sistemas e de anacoretas. Preocuda gostava de espasmódicas mutretas.
Bruffles era um vegetariano convicto. Preocuda preferia a carne tenra dos delitos. Bruffles gostava de meditar sobre os problemas do universo. Preocuda não se importava com nada que não fosse o próprio sexo. Bruffles era carinhoso, gentil, quase um menino. Preocuda era frívola, aérea, estertorante.
Bruffles e Preocuda se conheceram, se gostaram, e começaram, pasmem, a namorar. E mesmo que essa história não seja nada original, foi no embalo dessas diferenças que ela aconteceu, adoçada e eternizada por suas derivadas, engolfada e matizada por suas permanências.
Preocuda dançava de um jeito tão intenso que marcava em Bruffles o resto maroto de um desejo, cuja textura ele não sabia nomear ou identificar. Isso o deixava tão suspenso e tão devoto, presa de um ardor tão periférico, que ele jamais ousaria decifrar. Mas isso pouco importava. Posto que era feliz.
Bruffles olhava Preocuda de um modo tão sério, tão demolidor, que ela não podia resistir. O amor dele era intenso como as coisas que não têm nome. E, como elas, tão violáceo e tão sedento. Com ele, ela se julgava mais firme. E mais funda. Mas isso pouco importava. Posto que era feliz.
E no meio minuto de um beijo, no miúdo espasmo de um segundo, Preocuda não mais desejou outra coisa do que ser transportada por Bruffles. Para outras paisagens. Para outras matrizes. E nesse mesmo minuto expandido, Bruffles não quis mais da terra do que o corpo esquisito de Preocuda. Seus ângulos agudos, sua euforia. Cujos limites, só ele o sabia, eram de fogo e feno e vidro. E demasia.
Com o tempo, o amor cresceu, como é próprio e propício. E vingou-se dos leitores cínicos. E dos indecisos. E dos incrédulos.
Bruffles amava o jeito de Preocuda se livrar dos outros quando queria ficar só com ele. Preocuda se impressionava com o fato de Bruffles sempre conseguir se lembrar do que ela havia dito. Ou feito. Ela jurava que ele morria por ela. Ele imaginava que ela só se insinuava pra ele. Ela dizia que ele era dócil e devotado. Ele jurava que ela era fiel e impressionante. Nada disso era verdade. Mas eles eram felizes assim.
Ele pensava que ela não valia muito. Ela queria que todos a adorassem. Ele não tinha por outras nenhum apreço. Ela era do mundo e não abria mão disso. Ele nublava por ela todo um esquema. Ela sorvia, por ele, todo um problema. Tudo isso era verdade. Mas eles não eram tão felizes assim.
O amor deles era absurdo como um peixe no ar. Mas foi acontecendo, sério e surdo como uma ponta que se lança, como uma metáfora que é só som e forma, como uma víscera que de repente transborda e rompe.
Não houve mimo que não fosse usado. Não houve cenário que não fosse corrompido. Não houve briga que não fosse celebrada. E nem respeito que não fosse demitido.
De nomenclaturas suspensas e desejos retomados. Esse era seu mistério. E de esporro em esporro, de trepada em trepada, as palavras que os definiam iam ficando mais areadas, mais vertiginosas, mais meditabundas. Todas eram fora de lugar. Todas eram tacanhas. Menos e mais intensas. Mais e menos contumazes. Menos e mais violentas. Mais e menos kamikazes. Como numa jogada onde o lance fosse muito alto. Como numa cena de múltiplas derivações.
Tudo e muito eram muito pouco. Não havia vantagens, só havia saliências.
Bruffles e Preocuda viveram juntos, se amaram, e começaram, pasmem, a se misturar. E mesmo que essa história seja muito proverbial, foi no embalo dessas semelhanças que ela aconteceu, adensada e eternizada por seus limites e hipérboles, expandida e fuzilada por suas degenerescências.
Para Rafaela e Marcela, que me deram os personagens.
E para Emílio, que me deu a inspiração.
Comentários
muito bom te ler!
Acho que de tudo um pouco do todo do mundo reside pelos menos um fragmento em mim. Entende?
Porque me identifico sempre com alguns ou muitos dos cacos que você junta ou espalha aqui nesse espaço. E seus cacos são tantos e tão variados! Creio serem capazes de formar infinitos mosaicos e que, com cada um deles, me identificarei.
Obrigada pela palavra "ANACORETA". Olhei no dicionário(não sabia)e constatei ainda pasma que ela é "A" palavra que define o que eu precisava muito definir, sem verborragias. Ô palavra certeira!
Izabel, só li um livro do Cortázar, e gostei muito, mas ele seguramente não faz parte (ainda) dos meus "eleitos"... quem sabe ele não entra na nossa listinha do spa? E os nomes das personagens não são meus, não, são criação das amigas pra quem dediquei o continho... só que achei com tanta cara de personagem "fantástico" que não resisti... rsrsrsrs!
Pesadelo Girl, seus comentários sempre encontram muita ressonância por aqui... cacos e fragmentos de uma vida nem tão virtual assim... rsrsrsrs!
me emocionei.
essa preocuda, viu?
já tá la no blog.
obrigada por esse carinho.
minha mãe vai amar.
você é um ventinho alegre nos meus fins de tarde, isso sim.