Tento acordar, tento acordar. O sono não me deixa dormir. Tento acordar, tento acordar. O sono não me deixa dormir. A abóbada é imensa, azeda, esplêndida. Tento acordar. O sol queima depressa. Os dedos, os pés, a nuca. O céu é uma esfera perfeita e indecifrável. Eu me acovardo todos os dias.
Tento acordar, mas não consigo, os olhos cheios de areia. O peito cheio de vespas. Os olhos da minha amada estão cansados, os meus estão abertos. O sono não me deixa dormir. O calor é insuportável. A janela é toda de vidro e a cidade, atrás dela, parece uma cena de filme. Venta muito, o peito opresso, o trabalho por fazer, o amor por amar. Nada pára, nada se movimenta, tudo espera meu gesto aniquilado.
Vou saltar, vou saltar, vou saltar. O sono não me deixa dormir. As palavras não servem mais. Venta muito e meu coração está seco. As vespas se foram, não há mais nada agora. Eu me acovardo todos os dias. Debaixo da pele, a faca de joão. Atravessando. Eu impura, feita de fezes e abismos. E água.
As palavras não dizem nada, o coração está com sono. Tudo é muito agora. E muito mais tarde. Nunca fui tão breve, nem tão sedenta. O vento invade tudo. As janelas estão fechadas. O céu é de cobre amarelo, verde, violáceo, escuro. O vento empurra meu peito. Empurra, empurra, ferve, fecha, expande, desordena. Desabriga.
Tento acordar, mas não consigo. Vou saltar: o prédio é alto? Ainda não arrumei a cama. Meu deus, meu deus, o tempo passa. Preciso salvar o mundo.
É agora, é agora, olhe! As unhas estão crescendo. O cabelo embranqueceu, o rosto murchou, os olhos cederam, não são mais inocentes. Quero acordar e não posso. No espelho, tenho dois anos. E um coração cheio de vespas.
Venta forte e escuro. As lâminas estão afiadas. Abrem meu peito, tiram as vespas. Pra quê, pra quê? Eu gostava tanto delas.
Agora, o silêncio. Não venta mais. As mães foram embora. O peito vazio, vazio. Tento acordar. O sono não me deixa dormir. Estou de pé, no escuro, no meio imenso do corredor.
- Pai, quero água!
Mas ele não vem. Ele não vem mais.
Comentários
tô com inveja da Cris...
Pq meu blog nao está aí?
Saudades linda!
Bonito o que escreveu...
Foi sonho ou pesadelo?
bjs
aaah! muito bom!