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O futuro em tempos de melancolia


Um dia... seremos feitos da mesma matéria dos pântanos, viscosos e úmidos e descuidados... o que equivale a ser um pouco como os ratos, nervosos e úmidos e farejantes e tímidos... o que não está longe de se parecer com a sinuosidade de algumas febres, e com a complacência de alguns criminosos...

Um dia, seremos acuados, e viveremos prisioneiros de um tempo esquivo, onde as azaléias vão nascendo escuras e um céu de aço é corrompido por uma chuva indecisa e apócrifa, cuja densidade de ferro repreende os que ainda pleiteiam alguma esperança, essa dilatada e obesa senhora de pele vítrea.

Um dia, seremos todos de branco, acossados pelo encerramento dos tempos e aguçados pelos fantasmas de sempre, e em vão percorreremos as ruas, munidos com espadas de estanho e esquartejando teoremas vibrantes.

Um dia, seremos todos mortos, e símbolos de plástico nos comerão a pele, os nervos, os ossos, a fome. Viveremos de fé e raízes, mas nossa memória dividirá segredos com carrascos vestidos de alumínio, cujos desertos de areia e névoa não escondem nenhum ruído.

Um dia, cantaremos vitória. Porque estaremos cansados demais para chorar.

Um dia, seremos feitos da mesma matéria de Deus. E de Nada.

Comentários

Sil disse…
Isso é tão hilstiano...
não sabe como me comove.

Beijo,
sil.
Anônimo disse…
oi rebecca!!! obrigada por passar no meu blog!!!
quanto as tirinhas, se vc clica sobre elas, não aparecem em outra janela bem maiores? tenho que saber, pois senão o blogspot está me passando a perna... rsrsrsrsrssrsrs!!!
vou passar sempre por aqui também!!!! adorei o texto!
beijão!!!
www.pryscila.com.br

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