; no primeiro dia do ano,
aquela senhora obesa olhou para a sua janela; para a sua mesma e nem tão velha grade e pro seu mesmo pedaço de céu, de sol e de tronco de coqueiro (ou seria palmeira?); e pensou de novo na morte; e em como não era tão ruim assim não poder se mover; e em um filme do woody allen que tinha assistido há muito tempo;
o moço convalescente sentiu-se mais forte e resolveu cortar o cabelo assim que o comércio voltasse a funcionar (ou seriam os pulmões?);
o cara da transportadora suspirou de novo, quando lembrou do dia seguinte (ou da vida seguinte?) e de tudo o que havia deixado por fazer; depois lembrou que suspirar era coisa de veado e resolveu tomar mais uma cerveja;
a dona do salão decidiu não parar de fumar e não parar de ficar até tarde vendo merda na televisão, como todas as amigas pediam; afinal, que importava a saúde dos seus brônquios ou das suas retinas tão fatigadas? Para a puta que pariu com tudo isso... porque cigarro e tv são formas bastante civilizadas de matar o tempo (e o tesão reprimido), e é melhor fazer isso do que encontrar jesus ou comer criancinhas, como fazem esses padres por aí, ora bolas;
a estudante de farmácia passou o dia vomitando e jurando que nunca mais misturava pinga com conhaque, embora soubesse que iria fazer justamente isso, dentro de umas 6 ou 7 horas (ou quinze), mas não dentro de 6 ou 7 anos (ou quinze);
a máquina de xerox estalou no escuro e pifou de vez (ou quase);
um dos pombos aqui da minha rua foi atropelado (mas não morreu, ficou agonizando no cruzamento até uma formiguinha ter pena dele e matá-lo com a sua pá);
o homem do tempo esqueceu a frigideira elétrica ligada, mas ela tinha um dispositivo de segurança e nada aconteceu; depois ele ficou pensando se era melhor se algo tivesse de fato acontecido (ou explodido);
a cantora japonesa comeu uma pizza de margherita, e decidiu mudar a sala de lugar, pra ver se alguma coisa mudava (ou começava);
outros cantaram e falaram das férias (entre amigos) e mataram baratas e comeram sushi e criaram o céu e outras terras, o vento e as águas paradas, as tardes de quinta e as manhãs de segunda (e as madrugadas de sábado);
e então sorriram, vendo que tudo isso era bom,
porque o primeiro dia do ano... é um dia no meio do tempo;
e tudo continua aos pedaços; como sempre;
de passagem;
Comentários
O primeiro dia do ano é, acima de tudo, reflexivo, não?
Ai, ai...
Ninguém escapa!
então, um grande suspiro pra 2008!
Esse texto está lindo, sensível, fragmentos muito bacanas. Fique a vontade para postar minhas fotos, querida, quando quiser. Beijocas, Ana.