Na venda tinha de tudo. Até coisas de beleza e de limpeza. E de comida. Coisas muitas, variadas. Embelezadas umas pelas companhias das outras assim todas juntas em quantidade. Em variedade. Em teórica limpeza. Em anonimato. Ficavam ali esperando a gente. Disponíveis. Datadas, carimbadas, especificadas, controladas, repassadas, qualificadas. Inertes na prateleira e se movendo na cabeça da gente. Ótimas. Refesteladas nas prateleiras.
E tinha facas também, a venda. Tinha faca de todo jeito. Facas para comer e para passar patê. Facas para pegar peixe e pegar bicho. Facas brilhantes e foscas. Facas de caça, de pesca, de morte. Facas para enfiar no outro e para enfiar no olho. Facas de cirurgião e de colocar embaixo do colchão. Facas de crime e facas de paz. Facas cantantes, sedutoras, afinadas. E afiadas.
E tinha também, logo atrás do balcão, uma vendedora dessas de sempre e de nunca mais vou te ver. Era assim miúda, com a cara redonda de menina nova. Bochechuda, meio suja da poeira eterna das lojinhas vagabundas do interior. Nem era corada, como nos romances franceses, era turva mesmo. Uma coitada.
Como eu. Como eu que vou agora comprar essa faca bendita. A minha faca. Uma faca pra exibir pros amigos. Uma faca de verdade, de cabo de marfim. Poderosa, portentosa. Que só vendo.
Vê essa faca, faz favor.
E a faca na mão. Forte, friinha, toda nova. Um brilho só, que só as facas têm. Um brilho que só as coisas que podem machucar têm. Um brilho que só as coisas que podem morder têm. Um brilho retesado, espelhado, açucarado. A língua nos lábios. A fartura da posse. A descoberta do poder de fogo de um homem. A faca nova. O chamado inebriante.
Na ponta, aquela meia lua, aquela curva linda que só as facas de macho têm. O cabo de marfim. A aspereza delicada da textura do cabo. Uns desenhos assim sem sentido. É pra não escorregar, disse a vendedora. Essa é das boas. E o fio então.
E tinha facas também, a venda. Tinha faca de todo jeito. Facas para comer e para passar patê. Facas para pegar peixe e pegar bicho. Facas brilhantes e foscas. Facas de caça, de pesca, de morte. Facas para enfiar no outro e para enfiar no olho. Facas de cirurgião e de colocar embaixo do colchão. Facas de crime e facas de paz. Facas cantantes, sedutoras, afinadas. E afiadas.
E tinha também, logo atrás do balcão, uma vendedora dessas de sempre e de nunca mais vou te ver. Era assim miúda, com a cara redonda de menina nova. Bochechuda, meio suja da poeira eterna das lojinhas vagabundas do interior. Nem era corada, como nos romances franceses, era turva mesmo. Uma coitada.
Como eu. Como eu que vou agora comprar essa faca bendita. A minha faca. Uma faca pra exibir pros amigos. Uma faca de verdade, de cabo de marfim. Poderosa, portentosa. Que só vendo.
Vê essa faca, faz favor.
E a faca na mão. Forte, friinha, toda nova. Um brilho só, que só as facas têm. Um brilho que só as coisas que podem machucar têm. Um brilho que só as coisas que podem morder têm. Um brilho retesado, espelhado, açucarado. A língua nos lábios. A fartura da posse. A descoberta do poder de fogo de um homem. A faca nova. O chamado inebriante.
Na ponta, aquela meia lua, aquela curva linda que só as facas de macho têm. O cabo de marfim. A aspereza delicada da textura do cabo. Uns desenhos assim sem sentido. É pra não escorregar, disse a vendedora. Essa é das boas. E o fio então.
O fio era o mais lindo de tudo. O mais fino de todos. O mais fatal. O fio, um golpe. A velocidade do fio, a perfeição. Como só um fio de faca boa pode ser. Poderoso em sua suave inexistência. O puro agudo. Inaudível. Exato. O limiar.
A faca limitada nas mãos. O futuro agora desenhado. Um cabo, uma curva, um fio. Tudo nessa vida é por um fio. Nem sempre de faca, mas por um fio. Pois é. Na curva exímia a certeza da morte se desenhava, enxuta. Vigorosa e torpe como uma cédula falsa. A postura. Com uma faca nas mãos a pessoa fica mais alta. Mais sensata. Mais desobrigada. Mais comprida. Com uma faca exata e torpe nas mão agente fica mais aceso. Como quem de repente vive. Como quem saiu pela curva de uma estrada e vê o fio da vida pela beirada. O susto.
Então Ulisses, com a outra mão em tremores, tirou do bolso da calça clara o dinheiro todo do seu primeiro salário. Contadinho. Dobrado em notas verdadeiras, quase todas elas novas e limpas, saídas do banco automático para serem dobradas delicadamente. Formando um quadrado quase perfeito que saiu quase incólume do bolso folgado de Ulisses. A pele da perna ainda sentindo o volume bom daquela fortuna.
Depois a faca foi pro seu pacote de faca, caixa paralelepídica, branca, com seu respectivo visor de plástico transparente. De marca. A caixa branca foi pra dentro do saco esverdeado. O dinheiro contado, pra dentro do caixa. A mão da moça bochechuda, pra mão de Ulisses. O suor da palma. O susto.
A sacola verde e a caixa foram, logo na primeira esquina, pro lixo. Ou melhor, pra beira do córrego que passava lá embaixo, no lote. A faca foi pro bolso, embrulhada no lenço pra não fazer vista. Nem volume. Nem cortar o dono, que se a gente não cuida elas são assim mesmo, traidoras.
Ele também. Um traidor.
A faca limitada nas mãos. O futuro agora desenhado. Um cabo, uma curva, um fio. Tudo nessa vida é por um fio. Nem sempre de faca, mas por um fio. Pois é. Na curva exímia a certeza da morte se desenhava, enxuta. Vigorosa e torpe como uma cédula falsa. A postura. Com uma faca nas mãos a pessoa fica mais alta. Mais sensata. Mais desobrigada. Mais comprida. Com uma faca exata e torpe nas mão agente fica mais aceso. Como quem de repente vive. Como quem saiu pela curva de uma estrada e vê o fio da vida pela beirada. O susto.
Então Ulisses, com a outra mão em tremores, tirou do bolso da calça clara o dinheiro todo do seu primeiro salário. Contadinho. Dobrado em notas verdadeiras, quase todas elas novas e limpas, saídas do banco automático para serem dobradas delicadamente. Formando um quadrado quase perfeito que saiu quase incólume do bolso folgado de Ulisses. A pele da perna ainda sentindo o volume bom daquela fortuna.
Depois a faca foi pro seu pacote de faca, caixa paralelepídica, branca, com seu respectivo visor de plástico transparente. De marca. A caixa branca foi pra dentro do saco esverdeado. O dinheiro contado, pra dentro do caixa. A mão da moça bochechuda, pra mão de Ulisses. O suor da palma. O susto.
A sacola verde e a caixa foram, logo na primeira esquina, pro lixo. Ou melhor, pra beira do córrego que passava lá embaixo, no lote. A faca foi pro bolso, embrulhada no lenço pra não fazer vista. Nem volume. Nem cortar o dono, que se a gente não cuida elas são assim mesmo, traidoras.
Ele também. Um traidor.
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