Ela era uma mulher estranha. Apareceu no meu consultório há quase três anos. Nunca mais voltou, mas contou-me sua história terrível. Pediu-me conselhos. Eu me lembro de ter falado alguma coisa, sem muita convicção ou interesse. Na época, estava envolvida com outros problemas e, de alguma maneira, eu sabia que ela não voltaria mais. E rapidamente me esqueci dela.
No entanto, nos últimos meses, sua presença oblíqua e altiva tem me entulhado a memória de fantasmas. Aos poucos, fui me lembrando de cada detalhe da sua longa história, que me foi parecendo, dia após dia, cada vez mais real e remota. Como se viesse, maldita e cansada, do interior abrupto e cristalino de múltiplos espelhos. Como se fosse ela mesma uma sentença. Ou um enigma.
Começou assim: ela odiava a filha. Desde o nascimento, ela a odiou. De acordo com ela, cada espasmo de vida daquela minúscula criaturinha era preenchido e alimentado por um ódio calmo e delicado, mas poderoso, que a tornava, se não mais feia, cada vez mais digna de ódio, cada vez mais frágil, mais fraca, mais faminta.
Eu sou forte, dizia ela. Mas minha filha era feita de feno. Não tinha vontade, não tinha passado, não tinha desejos. Era pele e osso, a desgraçada. E não tinha nem mesmo dentes. Quando bebê, era preciso forçá-la a alimentar-se. Quando criança, era preciso empurrá-la para a vida, para a escola, para os amigos. Quando se fez jovem, raquítica e avoada, foi preciso implorar para que sofresse, para que sangrasse, para que se tornasse úmida e fêmea, para que gritasse, para que se erguesse.
Cada um desses esforços, dizia-me ela, custou-me ainda mais a possibilidade de amor. Ela precisava de mim, e nunca pude perdoá-la por isso. No entanto, por uma espécie de ódio ao ódio, ou de amor ao ódio, eu a alimentava, criava, empurrava, instigava, inspirava. Eu queria torná-la forte, para poder amá-la. Mas também precisava que ela, uma vez imensa, pudesse me esmagar. Só assim meu ódio podia se justificar. E crescer.
E foi o que aconteceu, narrou-me ela. Para minha surpresa e asco. Aquela filha, cultivada com frieza e desprezo, temperada com amargura e alimentada pela miséria, de repente vingou. E vingou-se, florescendo, vívida e firme como um potro novo. Sólida. Intensa. Espetacularmente bela.
A mãe? Ah! Esta, por ter vencido, primeiro vibrou, realizada. Depois perseverou, implacável e absurda, na continuidade do seu apodrecido plano. E devagar desfez, ponto a ponto, a trama de conquistas que a filha (com a sua perversa e tortuosa linha) tinha costurado. E de desprezo em desprezo, de humilhação em humilhação, destilou a segunda etapa do plano. E fez a filha, então em pleno vôo, cair desarmada de novo, sem desejo e sem vontade, sem orgulho e sem beleza, no solo devastado da derrota.
Os detalhes são vagamente sórdidos, quase sentimentais, quase singelos, mas de uma crueza tão magnífica que só aos poucos me foi revelada. Ao longo desses oito últimos meses, porém, a memória desses detalhes me acompanha, bem como a figura daquela mãe terrível, daquela mulher obstinada e urgente cuja áspera beleza me tem feito soluçar de espanto. E de paixão.
A sua maldade e o seu viciado propósito, criar para destruir, me são cada vez mais veementes, e cada vez mais compreensíveis. Sua história me parece, dia após dia, esfericamente bela, tão pungente quanto inexorável. Seus longos cabelos negros, seu olhar atormentado, sua voz habilidosa, não me são mais terríveis, nem cruéis. Nem me parecem mais doentios. Ou estranhos.
Ela me faz companhia agora, noite após noite, dia após dia. Quieta e linda, vela meu sono e minha vigília, espreitando, como eu, o lento crescimento do meu feto. E esperando, com ansiosa devoção, que ele finalmente nasça.
No entanto, nos últimos meses, sua presença oblíqua e altiva tem me entulhado a memória de fantasmas. Aos poucos, fui me lembrando de cada detalhe da sua longa história, que me foi parecendo, dia após dia, cada vez mais real e remota. Como se viesse, maldita e cansada, do interior abrupto e cristalino de múltiplos espelhos. Como se fosse ela mesma uma sentença. Ou um enigma.
Começou assim: ela odiava a filha. Desde o nascimento, ela a odiou. De acordo com ela, cada espasmo de vida daquela minúscula criaturinha era preenchido e alimentado por um ódio calmo e delicado, mas poderoso, que a tornava, se não mais feia, cada vez mais digna de ódio, cada vez mais frágil, mais fraca, mais faminta.
Eu sou forte, dizia ela. Mas minha filha era feita de feno. Não tinha vontade, não tinha passado, não tinha desejos. Era pele e osso, a desgraçada. E não tinha nem mesmo dentes. Quando bebê, era preciso forçá-la a alimentar-se. Quando criança, era preciso empurrá-la para a vida, para a escola, para os amigos. Quando se fez jovem, raquítica e avoada, foi preciso implorar para que sofresse, para que sangrasse, para que se tornasse úmida e fêmea, para que gritasse, para que se erguesse.
Cada um desses esforços, dizia-me ela, custou-me ainda mais a possibilidade de amor. Ela precisava de mim, e nunca pude perdoá-la por isso. No entanto, por uma espécie de ódio ao ódio, ou de amor ao ódio, eu a alimentava, criava, empurrava, instigava, inspirava. Eu queria torná-la forte, para poder amá-la. Mas também precisava que ela, uma vez imensa, pudesse me esmagar. Só assim meu ódio podia se justificar. E crescer.
E foi o que aconteceu, narrou-me ela. Para minha surpresa e asco. Aquela filha, cultivada com frieza e desprezo, temperada com amargura e alimentada pela miséria, de repente vingou. E vingou-se, florescendo, vívida e firme como um potro novo. Sólida. Intensa. Espetacularmente bela.
A mãe? Ah! Esta, por ter vencido, primeiro vibrou, realizada. Depois perseverou, implacável e absurda, na continuidade do seu apodrecido plano. E devagar desfez, ponto a ponto, a trama de conquistas que a filha (com a sua perversa e tortuosa linha) tinha costurado. E de desprezo em desprezo, de humilhação em humilhação, destilou a segunda etapa do plano. E fez a filha, então em pleno vôo, cair desarmada de novo, sem desejo e sem vontade, sem orgulho e sem beleza, no solo devastado da derrota.
Os detalhes são vagamente sórdidos, quase sentimentais, quase singelos, mas de uma crueza tão magnífica que só aos poucos me foi revelada. Ao longo desses oito últimos meses, porém, a memória desses detalhes me acompanha, bem como a figura daquela mãe terrível, daquela mulher obstinada e urgente cuja áspera beleza me tem feito soluçar de espanto. E de paixão.
A sua maldade e o seu viciado propósito, criar para destruir, me são cada vez mais veementes, e cada vez mais compreensíveis. Sua história me parece, dia após dia, esfericamente bela, tão pungente quanto inexorável. Seus longos cabelos negros, seu olhar atormentado, sua voz habilidosa, não me são mais terríveis, nem cruéis. Nem me parecem mais doentios. Ou estranhos.
Ela me faz companhia agora, noite após noite, dia após dia. Quieta e linda, vela meu sono e minha vigília, espreitando, como eu, o lento crescimento do meu feto. E esperando, com ansiosa devoção, que ele finalmente nasça.
Comentários
Adorei a visita, amei esse canto, essa deliciosa habilidade de contar histórias e voltarei muito, muito, muito.
Um beijo e um sorriso,
Sil, a exausta.